quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Clichês em série sobre o novo ano

Todo fim de ano é a mesma coisa. A retrospectiva do que aconteceu, os planos para o próximo ano, a expectativa de que agora tudo vai dar certo como você planejou. Mas a vida, ela não é um objeto sólido, ao contrário, ela é um constante fluir, um constante encontro e desencontro, ela não para para que nós possamos acertar nossos ponteiros, nós é que precisamos aprender a acertar o relógio com ela em movimento.
No entanto planejar-se, acreditar que vem vindo ai mais 365 oportunidades de se encontrar, para mim, é bastante saudável. Claro que não basta por no papel e acreditar que magicamente tudo vai estar nos trilhos, é preciso garra para mudar e é preciso acreditar também.
Eu acho que 2014 não foi um ano muito fácil para a maioria das pessoas, mas é assim mesmo, as coisas ruins afinal é o que nos fortalece.
Por isso eu que sou bem clichê também faço minha listinha de resoluções e metas, uma porque adoro listas (a louca), outra porque ter em mente o que pretendo é uma boa maneira de entrar nos eixo. Então quero começar primeiro com minhas resoluções de leitura.


Resoluções de Leitura:


Em 2015 eu pretendo continuar com a minha meta de ler mais livros escritos por mulheres. Nesse ano, o que me inspirou foi o projeto #leiamulheres2014, esse projeto me fez refletir bastante sobre o quanto as mulheres são negligenciadas nas artes também, como eu falei em outro post anterior, então quero continuar a ler e buscar mais livros de mulheres, assim como filmes também, e uma das coisas que vai me ajudar muito é o projeto lindo de clube de leitura feminista: Bastardas, que todo mundo precisa conhecer eim.
Eu pretendo também ler mais clássicos, esse ano , e acho que talvez a minha vida inteira, li poucos clássicos, acho que por medo ou preguiça mesmo, enfim. De outro lado quero ler também mais autores contemporâneos, principalmente brasileiros.
Pretendo também continuar lendo os livros do desafio da Rory Gilmore  e por fim, preciso ler os livros que estão encostados aqui na minha estante e que ainda não foram lidos.


Resoluções de "vida"


Como sou bem clichê também tenho minhas metas para a vida, siim, isso pode também!

Esse ano que vai começar eu pretendo realizar cinco coisas fundamentais para minha saúde física e metal, coisas que venho protelando a anos e que se eu já tivesse feito teria evitado muito papel de trouxa que eu encarnei. Então vamos lá, eu quero e preciso:

1- Aprender a me aceitar e me amar mais, parando de negligenciar meus sentimentos e vontades, para suprir a necessidade dos outros.
2- Economizar. Sim, é clichê. E sim, eu necessito, muito.
3- Ter uma alimentação mais saudável. Não, não é projeto verão, não quero ser Gisele, nem Panicat. Sou vegetariana, mas como muita porcaria, fritura, doce demais e sim, tenho medo de ficar doente, ter que tomar toneladas de remédio e tudo mais. Não vou virar a louca da saúde, mas quero balancear mais as minhas refeições e o que eu como.
4- Autoconhecimento. Parece papo new age, maculele, mas conhecer-se a si mesmo é parar de sucumbir a cobranças, é parar de buscar aceitação fora de si, é bastar-se e sobretudo, parar de ser trouxa.
5- Escrever mais. Sobre livros, sobre sentimentos, etc, etc.



É isso galera. E vocês o que pretendem nesse novo ano?

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Apesar de tudo

Acorda, senta em sua cama, levanta, volta a deitar. Lá fora gatos no cio, completam o ciclo de suas vidas trepando ensandecidamente nos muros, os cachorros das casas ao lado latem sem parar para o anoitecer. E no escuro seus olhos enormes estão fixos no teto. Ela não consegue dormir, ela não consegue nem mesmo pregar os olhos sem que aquela imagem lhe venha a mente.
A moça dos olhos tristes. Não tristes como os dela, ou como os de todo o mundo que a cercava pareciam ser. Não aquela tristeza de tédio do mundo que nunca soube acolher todos por igual, não tristes como a desesperança que parece alcançar todo mundo um dia. Não, aquele era um outro pedaço de tristeza, tristeza que vem do sofrimento real, em carne e osso, que toma a força, espaço no nosso olhar.
Era como o olhar da sua mãe. Ela sabia. Ela jamais pode esquecer. Da mesma forma que ela não poderia esquecer o som suave da voz da mãe, a sua capacidade de acalma-la  somente com um olhar e um toque de mãos, que queria dizer tudo vai dar certo, o seu amor pelos livros, o doce cheiro do café que a mãe fazia. Nada daquilo iria embora.
  A foto amarelada e já gasta, a única que restara da mãe, que mostrava o sorriso torto, os olhos castanhos brilhantes e os cabelos negros caindo em cascatas, seria engolida pelo tempo, que não perdoa, mas as lembrança ficariam firmes como rocha.
Era essas lembranças que agora percorriam a sua mente sem parar, indo e vindo. E embora ela quisesse chorar, nenhuma lágrima podia cair agora de seu rosto. No escuro ela podia sentir o calor de chico, o gato, que dormia tranquilamente a seu lado, mas ela continuava desperta.
A mãe viera visita-la naqueles olhos, que não era os dela, mas poderia sê-lo, ela queria que fosse. Se a mãe ali estivesse teria tirado Simone daquele caos que havia se entregado. Se a mãe estivesse ali, poderia lhe dizer que tudo daria certo, afinal.
Mas não, ela se fora. Cedo, de forma trágica. Arrancada da vida de Simone, que tivera que encarar então o mundo sozinha.
Simone se lembrava ainda, os olhos que eram alegres, aos poucos ficando roxos, o toque suave da pele, agora marcada por hematomas, e por fim o vermelho brilhante do sangue escorrendo em bicas pelo chão misturado com o negro do café, e o último brilho de vida no olhar dela.
Ela se fora, morta por aquele cara que jurou dar abrigo e proteger as duas, assassinada por alguém que dizia amá-las.
Ela se lembra também daquele olhar frio, dos gritos na noite e do rosto duro, de alguém que começou doce e tornou-se amargo. Ela não conseguia entender, e não queria. Tinha sentido ódio muito tempo daquele homem, que ela não mencionava mais o nome, mas o qual estava impresso em letras garrafais em cada entroncamento da sua memória, em suas muitas promessas de vingança.
Ela não o perdoara, ao contrário do que pregava a fé cristã, isso não fazia parte dela, o perdão, a fé, aquele deus homem não tinha salvado sua mãe.
Aquele deus homem, e aqueles homens tinha deixado o assassino solto, cidade pequena, crime passional, ela mereceu, ela o estava traindo, tinham lhe dito, ela era mãe solteira já antes de conhece-lo, pregavam todos.
Ninguém ajudara sua mãe, ninguém tinha pena dela. A acusavam, acusavam a vítima, pelo fato de ser mulher, e naturalmente cheia do pecado, como diziam. Como tinham dito seus avô após a mãe engravidar de Simone.
E a mãe foi sentenciada a morte, por um motivo: ser mulher nesse mundo de homens.
E por isso Simone também foi sentenciada, e a pena: a tristeza que a perseguia, os pesadelos, os muitos lares adotivos que não deram certo, a solidão, tendo que encarar por si só a selva lá fora. Sem ninguém para lhe dar a mão.
Até agora. A moça dos olhos tristes lhe olhará bem dentro. E lhe deu a mão. E lhe sorriu. E lhe disse palavras amáveis. E ali estava alguém que compartilhava de sua tristeza, mas que era forte, como Simone não era. Ali estava uma tristeza que lhe dizia: “Fui machucada, brutalizada, odiada, mas tudo pode dar certo, tudo pode ser consertado”.
A moça dos olhos tristes, que todo dia, com seu dinheiro contado lhe pedia um sanduiche mais barato e nada mais. A moça lhe tocara e ali estava um alma amiga, uma luz nas trevas, afinal.
E dentro de seu corpo o vazio, a solidão que ela não consegue preencher, pode sentir essa sensação de encontro.
Chico se estica ao seu lado. Na cabeceira, ao lado da foto da mãe o despertador toca. E
Ela levanta em seu cubículo  quarto, sala, cozinha, banheiro, tudo junto, faz seu café, acende seu cigarro e saboreia lenta e prazeirosamente a sensação de que embora seja vítima, nesse mundo de homens, ela tem uma alma irmã. Então se veste coloca os fones e o seu querido e ensandecido Cobain, berra seus versos de depressão juvenil.

 Simone termina seu cigarro  pega seu uniforme e sai para mais um dia de hamburguer, fritas, Mc Donald's, e o que seria a sua morte diária, agora é uma possibilidade de encontro, de uma luz nas trevas, de uma amiga, uma irmã. Porque um dia quem sabe, tudo pode dar certo, apesar de tudo.